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Vivências e Valores: A Realidade das Famílias Numerosas e a Influência das Redes Sociais

Aos 14 anos de idade, convivi com alguns casais que eram no máximo 5 anos mais velhos. Tal experiência foi enriquecedora para que eu pudesse vivenciar a realidade e a abertura à vida na minha família.

Estávamos na virada do milênio. Na escola pública periférica da grande São Paulo, as garotas mais populares falavam de signos, Backstreet Boys, Spice Girls e aqueles meninos açucarados: os Hansons. Os meninos estavam preocupados com a classificação do campeonato brasileiro e a eleição para o grêmio escolar.

Neste contexto, em uma pequena paróquia de bairro, abria-se o convite para receber estes jovens nas catequeses de crisma de uma forma que qualquer marqueteiro hoje ficaria de boca aberta: o bom e velho boca a boca. Houve divulgação no estilo catequético milenar, os mais velhos (do Ensino Médio) iam em todas as salas convidar os mais novos para a tal catequese de jovens.

Assim, nos anos seguintes, conheci as primeiras famílias abertas à vida. Uma das primeiras foi um casal jovem que, por amizade, pude conviver e presenciar situações que poderiam justificar um certo espaçamento desses filhos, mas não! Foram generosos e receberam ano após ano seus primeiros seis filhos. O meu imaginário, já consumido pelo feminismo, não entendia o que eles faziam, apesar de termos quase a mesma idade… Outras famílias se formavam ao meu redor e seguiam o mesmo padrão: ter filhos todos os anos.

No trabalho, em que a realidade da maioria das pessoas era diferente, começaram os comentários sobre esse estilo de vida e aos poucos, comecei a entender o que significava, na prática, as homilias do padre sobre a cultura do bem-estar. As noites e fins de semana que eu passava com esses amigos eram divertidos, com bebês e a casa cheirando a sabonete infantil. Assistíamos aos filmes em cartaz no cinema (adquiridos naquelas bancas em frente aos bancos ao som de 3 por 10), com pizzas, refrigerantes e churrascos. Não éramos mais uma família com muitas crianças, já estávamos em 4, 5 famílias com muitas crianças pequenas.

Já tarde da noite, crianças esparramadas pelos sofás e colchões eram jogados na sala, não estávamos preocupados naquele momento com horas de sono necessárias para o desenvolvimento infantil. Os adultos conversavam alto e riam, trazendo à tona as experiências mais sérias e dolorosas dos comentários dos colegas de trabalho, as piadas na família, o dever da mulher parar de trabalhar para cuidar das crianças pequenas, que já assombrava algumas mães (as que pararam animando-as sem esconder as dificuldades), as dificuldades no casamento, na casa que estava pequena, no orçamento que todo mês ficava no negativo, e com o sorriso de esperança para o ano seguinte, pois sairiam do aluguel e estariam em fase de construção da casa própria (até hoje me pergunto se essa esperança era ironia, pois todos sabem que construir dá mais despesa). Enfim, havia ali uma lista de problemas, mas todos estávamos reunidos com o espírito festivo de quem vive com dificuldade, mas com a alegria de quem faz a vontade de Deus.

Os anos se passaram e fomos inseridos nas realidades das redes sociais. Com elas, surgiram influencers de todos os tipos, inclusive de famílias numerosas. No começo, vi com grande admiração. Havia famílias grandes em todo o Brasil e em diversas realidades da Igreja Católica e, com elas, acompanhei uma realidade que vou denominar feminilidade instagramica, em que havia um código de conduta no vestir, em como educar os filhos, ser esposa, não trabalhar fora de casa e qual tipo de missa deveria ser frequentada. Tudo era externo, a feminilidade foi reduzida a um estilo de roupa, uma entonação na voz, sobre uma quantidade de filhos que deveria ter para ser uma verdadeira família católica. Aos poucos, a realidade parecia uma caricatura com pinceladas de influências de Judith Butler no meio católico, que justificavam que a feminilidade é um ato exterior, algo artificial e, em muitos casos, fútil.

Quando penso neste assunto, me vem à lembrança uma história que contei recentemente às crianças sobre São Cipriano e Santa Justina. Antes de se converter, Cipriano era um grande feiticeiro, governava demônios e tinha uma amizade íntima com Satanás. Eis que um jovem foi ao seu encontro para que ele o ajudasse a lhe “trazer a amada em sete dias”. A amada em questão era uma moça católica que fez voto de castidade e, por isso, não aceitou o pedido de casamento do rapaz. Cipriano achou a tarefa fácil e enviou alguns demônios para persuadir Justina, o que obviamente foi em vão. Então, no auge de sua cólera, chamou o príncipe das trevas, que tomou a forma de uma mulher muito piedosa. Quando encontrou Santa Justina, iniciou uma conversa sobre o casamento, fazendo um sermão sobre como era importante as pessoas se casarem para a multiplicação da humanidade, utilizando referências bíblicas e dando exemplos de muitos santos que também foram casados. A jovem, percebendo que se tratava de um demônio que estava tentando fazê-la descumprir a promessa que fizera a Nosso Senhor, aplicou-lhe um sinal da Cruz, fazendo-o fugir.

Como todos nós estamos sendo enganados debaixo do próprio nariz, desprezando a própria realidade, instituindo muitas vezes ideias e crenças inexistentes disfarçadas de doutrinas e consensos. Em meio ao caos do excesso de informação, de tantas pessoas tentando nos ensinar receitas de como educar, como catequizar, como falar, como amar, fiquemos com o olhar fixo em Cristo, que nos envia o que é necessário!

Fixemos os nossos corações no Coração Daquele que verdadeiramente nos Ama e possamos olhar para a nossa realidade com simplicidade e alegria.


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Respostas de 7

  1. Esse artigo tem sabor de saudade!

    Saudade da vida comum, sem tantas “influências”.

    Que Deus conserve esse dom, de descrever situações que tocam a alma.

    Estava precisando ler isso hoje.

    Amo vc!

  2. Lendo pudi acessar uma memória infantil leve e gostosa. Além de lembrar que também tenho referência e flash desses momentos que você compartilhava e contava de forma direta e simples sobre a misericórdia de Deus.
    Você também ensinou muito com a sua própria história. ♥

  3. Que texto necessário!
    Hoje sou pai em uma família numerosa (8 filhos) e me encontrei em cada palavrinha desse texto. Passei por muito do que você descreveu na fase da adolescência, também fui agraciado com uma igreja que teve a coragem de sair dos próprios muros e buscar os jovens em seus afazeres comuns. Sobre a ditadura das mulheres perfeitas de instagram, posso falar com muita autoridade devido ao meu trabalho como terapeuta.
    Infelizmente tenho acompanhado diversas mulheres que chegam com traumas profundos de uma realidade que se quer existiu. Você consegue imaginar como é difícil trabalhar com memória de algo que só aconteceu na cabeça de uma pessoa, uma imagem virtual que ela criou e que deseja tanto ser que praticamente se materializou? Explico melhor: Ao apresentarem ao público uma vida sem manchas, essas divas da internet criam no imaginário das coitadinhas expectativas totalmente fora da possibilidade humana. Com o passar dos anos essas “seguidoras” acabam inevitavelmente encontrando a realidade e lutam desesperadamente para voltarem a ser aquelas mulheres que elas um dia pensaram que poderiam ser, complexo né?
    Enfim, não vou me alongar nesse assunto, mas tenho certeza absoluta que isso é um problema que precisa ser debatido e escancarado para que todos enxerguem o mal que tudo isso pode causar, as vezes não há reversão nesses casos, é muito importante falar sobre isso e você fez com simplicidade e clareza.
    Para finalizar, acho que a solução também está nessas palavras de seu texto, pois o segredo é buscar pessoas reais que choram, sangram e sofrem, mas acima de tudo que vivem realidades próximas das suas e que já trilharam os reais caminhos da maternidade cristã.

  4. Que lindo relato de vida, de conversão e de descobrimento de Deus no cotidiano! Quão verdadeiras são essas palavras! Que as escamas nos olhos das novas gerações caiam, com a graça de Nosso Senhor e intercessão de Nossa Senhora, e que eles possam vislumbrar a beleza de uma família alicerçada em Deus.

  5. Que lindo! Lendo o que foi partilhado os meus olhos se voltam para o sagrado que acontece aqui pertinho, longe das telas, que o nosso olhar esteja fixo em nosso senhor Jesus Cristo, a sagrada família seja o nosso exemplo.

    A Verdade Cura e liberta!

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