O ser humano é moldado pelo que recebe e busca, é formado pelas influências que captam seus sentidos, é reflexo do que absorve e consequentemente destina-se a trilhar algum caminho. Seu pensar, seu inteligir da alma, é um ato particular existente num determinado tempo, seja no ontem, no amanhã ou no agora e cada acontecimento, bom ou ruim, se instala em sua memória.
A memória diz respeito às lembranças que permanecem na parte sensitiva da alma¹, é concebida como um processo ativo e abrangente, associado à emoção e à imaginação e não apenas rememora, mas organiza as experiências e conceitos em um esquema norteado por lugares e percursos.
Em Confissões², Santo Agostinho diz que “(…) a memória também é espírito”, sendo assim, é nela que encontramos e extraímos o desejo, a alegria, o medo e a tristeza. Neste sentido, pense: já percebeu seus olhos marejados ao recordar o nascimento de um filho, a perda de um ente querido, a sua história de conversão, a libertação de um vício? Já experimentou certa nostalgia ao rever as fotografias da infância ou entusiasmo ao analisar suas conquistas e acontecimentos do cotidiano da vida? A memória é assim: erige o tempo, ilumina o homem por inteiro!
Admito que com certa frequência visito a minha memória e o destino de hoje será Caieiras. Meses atrás estive na Serra da Cantareira, passei por estradas cheias de curvas, enfrentei percurso longo, mas foi trilhado com muita oração, paz e expectativa repleta de sentido. Ao avistar o portão de entrada do local da visita, alguns sinais eram familiares, permaneci em suspense. Após abertura, vejo um homem bem trajado, zeloso com a segurança e as regras durante acolhida, também observo as pedras, as flores e uma via de acesso para outros caminhos. Durante a subida, vi mais flores, árvores frondosas e o primeiro toque da graça me encontra, dizendo: “grandes são as obras do Senhor, dignas de admiração de todos os que as amam (Sl 110, 2). Ah! Quanto carinho de Deus provei ao perceber que tudo era real, ainda mais belo, potente, com uma forte atmosfera sobrenatural!
No meio do caminho rumo ao pátio principal, me encontrei com o Imaculado Coração de Maria. Quanta ternura! Ela estava em frente a uma construção magnífica, no centro, cercada por um jardim belíssimo. Ao chegar no pátio, as palavras pareciam insuficientes, nunca vi nada igual, tudo era convite à contemplação. Um homem consagrado se aproximou e outro toque da graça veio ao coração: “memoráveis são as suas obras maravilhosas” (Sl 110, 4) e logo pensei: “O que está por vir?”
Aquele homem parecia envolto de luzes, transbordava alegria, entusiasmo, considerei como fruto do carisma. Foi solícito, falava como um exímio discípulo, apresentou a história da fundação e compartilhou testemunhos. O versículo quatro começou a fazer sentido: “memoráveis”, eis que tudo o que ele dizia de fato era inescurecível.
Dentro da Basílica Nossa Senhora do Rosário, outro toque da graça me visitou: “o amor tende à Beleza”. A igreja era toda policromada, apresentava cores fortes, absolutamente nada era desfigurado e tudo tinha essência, vida! Durante alguns minutos refleti sobre a capacidade da alma humana, sua cooperação com o Criador quando é dócil, amável, pacífica e me perguntei o que havia na memória do fundador que o fez projetar na alma cuidadosamente aquela maravilha.
No teto contemplei inúmeras estrelas, era um chamado a olhar sempre para o Alto, ali ficar e conviver com Deus. Nas paredes tinham estampas da chama do Espírito Santo, um convite para recordar nosso constante pedido ao Espírito Santo: “pelas mãos da Virgem Maria, dai-nos a plenitude dos Seus dons”. Nos pilares, o símbolo dos reis da França, a flor de lis, que para nós é símbolo da fé, esperança e caridade.
Ainda com olhos fixos ao alto, antes de chegar no Altar, vejo um belíssimo crucifixo de Nosso Senhor Jesus Cristo. O toque da graça surgiu como uma flecha e mais versículo ecoou: “Dele, por Ele e para Ele são todas as coisas.” (Romanos 11, 36). Realmente só assim tudo fazia sentido. Nas paredes
laterais, vi imagens de anjos, afrescos, Nossa Senhora do Bom Remédio, São Tomás de Aquino, todas pintadas por Fra Angélico. No Altar, vi relíquias dos santos, fragmentos visíveis que constituíram pessoas que hoje se encontram no Céu. Arcos, coro alto, vitrais, mosaicos, sacristia, capelas, torres que apontam para Deus, cânticos, sincera benquerença, realidades visíveis e ao mesmo tempo sobrenaturais. Ainda hoje não consigo mensurar tamanho bem!
Fora da basílica, no outro prédio, mais uma vez fui convidada a olhar para o alto e ainda no primeiro andar o toque da graça me dizia: “Veja, se essa construção é tão bela, imagine como será o Triunfo de Maria!”
Durante a subida pelas escadas, fui impactada com a beleza dos tetos, mas não sei descrever o que minha alma experimentou quando entrei nas salas, em especial, onde estava Nossa Senhora do Bom Sucesso. Face adorável, dela e do Menino Jesus, e assim como diz o salmista estava toda adornada “(…) com veste esplendente de ouro de Ofir”. Inegavelmente Ela estava ali, com discrição mantinha o contato, acolheu minhas preces e depositou junto a Jesus na Santa Missa, momento mais sublime e sagrado. No final da visita constatei que fiz um retiro espiritual e a Virgem Maria esteve ao meu lado o tempo todo. Realmente Ela “é a escada celeste pela qual Deus desceu à terra e os homens sobem a Deus”, como diz São Fulgêncio.
Descrever o que minha memória conserva me faz voltar ao retiro, restitui o meu chamado à santidade e me devolve ao que realmente importa. No mundo atual há um constante apelo para viver o presente de maneira fugaz, sem o silêncio nem pausa. Façamos retiro! Pense no que viveu com Deus até agora, rememore, resgate as experiências com Ele que se perderam pelo caminho. Louve pelas maravilhas em sua história e prossiga nesse cultivo: “…tudo o que é verdadeiro, tudo o que é nobre, tudo o que é justo, tudo o que é puro, tudo o que é amável, tudo o que é de boa fama, tudo o que é virtuoso e louvável, eis o que deve ocupar vossos pensamentos.” (Fl 4, 8).
Sejamos memoráveis, sedentos de alma, pois “quanto mais profundamente uma coisa nos gravar na alma, tanto menos dela se apagarᔹ. Que a Rainha Assunta ao Ceú nos ajude, nos ensine a guardar tudo o que transcende na memória.
Por amor ao passado, eu queria mais!³
Entrando em choque com a Revolução, minha alma sentiu em si uma série de desejos que nem mesmo o passado satisfazia.
Por amor ao passado eu queria mais do que ele.
Entre o que eu queria e o passado no estado em que ele estava golpeado de morte, havia uma defasagem.
Eu tomei tudo quanto do passado amo e perguntei:
Nesta linha, minha alma diz “sufficit” (basta)?
Não! Minha alma diz: “Quero mais!”
(Plinio Corrêa de Oliveira, 25/5/88)
¹AQUINO, Santo Tomas. Suma Teológica. Parte II. Questão 49, art 1.
²Agostinho, Santo, Confissões, X, 14, 21-22; p. 280-282, Paulus.
³OLIVEIRA, Plinio Corrêa. Publicação disponível em: https://www.pliniocorreadeoliveira.com.br/dr-plinio-e-historia/. Acesso em 19 ago. 2024.
Uma resposta
Conhecer Deus para assim contemplá-lo e bendizê-lo!