Todo ser humano carrega em si a busca por um ideal, uma vontade de sentido. Nesta época do ano, é comum surgir a pausa para revisão de vida, aquele movimento de resgate pela memória do que vivemos no decorrer dos meses, de análise das experiências pessoais que fizemos, da forma como nos comportamos diante dos fatos, a postura em meio às circunstâncias rotineiras, das lutas e desafios enfrentados. Mas não podemos nos esquecer que essa época é substancialmente propícia para recalcular a rota espiritual, pensar no quanto amamos nosso Senhor Jesus e meditar sobre a nossa comunhão com o Céu.
Sabemos que Deus quer salvar a todos, não quer que ninguém se perca. Ele, que “habita uma luz inacessível” (I Tm 6, 16), quer comunicar sua própria vida divina aos homens, criados livremente por ele, para fazer deles, no seu Filho único, filhos adotivos. Diante de tamanho bem, “aprouve Deus, em sua bondade e sabedoria, revelar-se a si mesmo e tornar conhecido o mistério de sua vontade, pelo qual os homens, por intermédio de Cristo, Verbo feito carne, no Espírito Santo, têm acesso ao Pai e se tornam participantes da natureza divina”.¹
A Santa Mãe Igreja nos auxilia neste sentido e com o tempo do Advento nos prepara para um grande acontecimento. Junto com ela, voltemos à Belém: a contemplação do nascimento de Jesus nos leva a fazer a travessia para o interior de uma gruta, ali o Grande Mistério se faz visível e revela o sentido da existência humana.
Entremos, pois a porta está aberta: Non est satelles, qui dicat: non est hora – “Não há guarda”, diz São Pedro Crisólogo, “para dizer que não são horas”. Ao adentrar nela com suavidade, é possível percebê-la e fazê-la descer até o coração, convertê-la em matéria de consideração, de expectante silêncio e oração. A gruta torna-se lugar de refúgio, mesmo se afetado pela chuva ou pelo frio, nela há simplicidade, pobreza, mas é nela que ocorre o nascimento da Vida, a manifestação da glória de Deus, o sinal de sua compaixão.
No encontro com a criança de Belém, “almas devotas, contemplai naquela manjedoura, sobre aquela pobre palha o tenro Menino que está a chorar. Vede como é formoso; mirai a luz que irradia, e o amor que respira; esses olhos atiram setas aos corações que o desejam, esses vagidos são chamas abrasadoras para os que o amam.”²
No encontro com a criança de Belém nada é rejeitado nem mal olhado, tudo é aceito, encontra lugar, é acolhido, nada é desprezível. O mal cheiro das “imundícies” deixadas pelo caminho se transforma em perfume de santidade, o sujo torna-se limpo, “passou o que era velho; eis que tudo se fez novo” (II Cor 5, 17). Tudo é transformado pela irradiação da luz que vem a partir de dentro.
No encontro com a criança de Belém somos envolvidos pela ternura do Altíssimo e com ela podemos dialogar: “Ó formoso Menino pequenino, dizei-me, de quem és filho? Responde-lhe: Minha mãe é esta linda e pura Virgem, que está a meu lado. E teu pai, quem é? Meu pai é Deus. Mas como? Tu és o Filho de Deus, e és tão pobre, tão humilde? Nesse estado quem te reconhecerá? Quem te respeitará? A santa fé, responde Jesus, me fará conhecer por quem sou, e me fará amar pelas almas que eu vim remir e inflamar em meu amor. Não vim para me fazer temido, senão para me fazer amado, e por isso, quis manifestar-me, a primeira vez que me vedes, como criança tão pobre e humilde, afim de que assim me ameis com mais ternura, vendo a que estado me reduziu o amor que vos tenho.” ²
O encontro com a criança de Belém abre e purifica os sentidos, contemplá-lo traz esperança, expande a alma, dilata o coração. Constatamos que Deus “se fez carne e habitou entre nós” (Jo 1, 14), foi inserido na história da humanidade, pode ser buscado através da pequena e Divina criança e assim como entrou em Belém, também pode entrar em nossa própria casa.
Naquele tempo, as portas das casas e hospedarias da cidade se mantiveram fechadas, recusaram a companhia da família de Nazaré e mal sabiam que ignoravam o próprio Deus. Infelizmente não puderam dizer em alta voz: “(…) um menino nos nasceu, um filho nos foi dado: Conselheiro-maravilhoso, Deus-forte, Pai-para-sempre, Príncipe-da-paz.” (Is 9, 5), não descobriram a admirável missão daquele menino deitado na manjedoura, porque nem sequer o viram; perderam a oportunidade de estar com Ele, experimentar o verdadeiro sentido de existir e de inaugurar um novo tempo em suas vidas.
Peçamos a Graça do Altíssimo de viver uma preparação profunda à espera Daquele que vem no Natal e desejar “que o nosso coração seja um presépio onde Jesus escolha nascer”, como disse São Pedro Julião Eymard.
¹ Gaudium et Spes, 36
² LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos os Dias e Festas do Ano: Tomo I: Primeiro Domingo do Advento. Friburgo: Herder & Cia, 1921, p. 84s
Uma resposta
Lindo texto! Que as portas do nosso coração estejam abertas para recebem o Menino Deus.