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Educar para a transcendência

É sabido que todos nós nascemos com o pecado original devido a culpa de Adão e Eva. Nascemos com as nossas concupiscências, más inclinações e paixões, tocamos o sofrimento (CIC 402-405) ¹. Devido ao pecado original, estamos inseridos em uma batalha constante contra o mal, até a morte devemos lutar para aderir ao bem, sabendo que o homem não consegue alcançar a unidade interior com Deus se não for por meio de grandes batalhas e com o auxílio da Graça (CIC 409).

Diante disso, precisamos entender que o ser humano precisa educar a sua alma e inclina-la em direção do qual provém todo o BEM – Deus, caso contrário, somos atraídos pelos nossos mais baixos instintos, sendo esses mais impetuosos, primeiramente por termos em nós as consequências do pecado original (CIC 405), e não mais adiante, por serem mais fáceis, sedutores e prontamente prazerosos. Sobretudo a criança, mais especificamente, a qual não consegue se educar e os instintos são ainda tão rudimentares, necessita de pais que vivam a transcendência, para assim ensina-las a buscar o mesmo.

O Catecismo da Igreja católica nos diz:

“Com a criação, Deus não abandona sua criatura a ela mesma. Não somente lhe dá o ser e existência, mas também a sustenta a todo instante no ser, dá-lhe o dom de agir e a conduz a seu termo. Reconhecer esta dependência completa em relação ao Criador é uma fonte de sabedoria e liberdade, alegria e confiança.” (CIC, 301)

Viver essa dependência de Deus, do SUMO BEM, saber que estamos vivendo nessa terra caminhando para o nosso fim último, que de Deus viemos e para Deus voltaremos, “porque é Nele que temos a vida, o movimento e o ser” (At 17, 28) – é isso que chamo aqui de transcendência. Como está escrito em Atos dos Apóstolo 17, 27 – “Tudo isso [a criação do homem] para que procurem a Deus e se esforcem para encontra-lo.”

Educar portanto, uma criança, ou melhor, todas as crianças que o Senhor nos concedeu por missão educar, não é tarefa fácil, e isso já sabemos, mas o que a grande maioria não se deu conta, ou demorou demasiado tempo para compreender, é que essa tarefa é extremamente exigente, muito mais do que a maioria de nós acredita que seja. Julgo que até mesmo aqueles os quais referem que educar uma criança é tarefa difícil, não sabem quão exigente à é educar. Educá-la para o seu fim último, educar para a transcendência, exige de nós desprendimento, doar-se sem medida, literalmente sem medida. Não é fazer o que eu posso, é fazer o que tem que ser feito, por meio da cooperação de Deus que me instrui e me sustenta. Eu posso muito pouco para a educação dos meus filhos como convém, mas Deus é quem pode, através de mim, fazer o que é necessário para leva-los até ao céu e a vivência do que é transcendente, ainda nessa terra.

O erro maior é acharmos que “poucas” atitudes, e isoladas, como matricularmos nossos filhos na catequese, levá-los a Santa Missa aos domingos, educarmos para serem honestos e respeitosos basta. Não, não basta! Precisamos leva-los a santidade, a desejarem ardentemente o céu, a conhecerem a Sagrada Escritura na mais tenra idade, a se deliciarem com boas músicas e leituras, a sofrerem com os seus pecados, a conhecerem a misericórdia de Deus, a reconhecerem e amarem Jesus na Eucaristia, a amarem a Santa Igreja Católica, a não desejarem outra coisa, se não, viver e morrer por Jesus. E isso, não fazemos com alguns momentos dedicados no meu dia, ou na semana, mas sim, o dia todo, o tempo todo, todas as minhas ações precisam apontar para Deus, e reitero, todas.

A pouco tempo minha filha de 4 anos estava com sintomas de gripe e me disse: “Mamãe, foi Deus que quis que eu ficasse doente, não foi?!” Eu confirmei dizendo: ‘Sim, minha filha.” E ela continuou: “Se Deus quiser que eu morra, eu não vou ficar triste.” Ah! Quanta inocência, mas ao mesmo tempo quanta sabedoria! Lembrei-me que poucos dias atrás do ocorrido eu tinha lido para ela a história de Sara e Tobias, em que Tobit, pai de Tobias, ficou acidentalmente cego, mas não reclamou, porque sabia que tudo o que lhe acontecia era por permissão de Deus (Tb 2, 10-14). Certamente ela não teria esse raciocínio se eu estivesse lendo especialmente os grandes clássicos da literatura infantil. Tudo tem o seu tempo! E no momento em que estou formando uma criança para coisas altas e grandiosas, preciso oferecer a ela coisas altas e grandiosas, a fim de formar o seu imaginário com coisas altas e grandiosas. Como fazer com que uma criança sonhe com o céu, se o seu dia é permeado de coisas terrenas, ainda que sejam moralmente boas? 

Concluo com o trecho retirado do livro “A educação dos filhos” de São João Crisóstomo ², ademais, indico fortemente a leitura desse livro, cujo valor é imensurável e incrivelmente atual, para que meditemos e transformemos as nossas ações:

Se bons preceitos forem impressos na alma enquanto ela ainda é tenra, ninguém poderá destruí-los quando se firmarem, do mesmo modo que ocorre com um selo de cera.” 

O santo relata que ao invés de nos preocuparmos em adornar as nossas crianças e vesti-las com vestes finas, que alimentam os seus vícios, deveríamos pensar em como dirigir sabiamente a vida dos nossos filhos, exercitando a alma da criança na virtude, pregando sobre virgindade e sobriedade, desprezo das riquezas e da fama, e os preceitos das Sagradas Escrituras. E fazei isso desde o princípio, exorta São Crisóstomo, pois uma vez que, a criança ainda em desenvolvimento, tem a sua forma própria ainda a definir, sendo assim adaptável, pode ser moldada, e quando atingir sua forma rígida, ninguém poderá modificar os preceitos que nela foram constituídos. Assim como um pintor se debruça sobre a sua tela, e ali coloca todo o seu empenho até atingir o seu propósito, da mesma maneira, os pais devem educar os seus filhos, inspecionando-os dia a dia, alimentando as suas qualidades e extinguindo os seus defeitos.

Avante! Não há tempo a se perder. O demônio está ferozmente em busca das nossas crianças, e a uma fúria tão grande, não conseguiremos vencer com uma simples batalha. Nos custa muito, porém, grandiosas são as recompensas que receberemos por parte do Senhor.

¹ CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA, São Paulo, Editora Loyola, 2000.
² SÃO JOÃO CRISÓSTOMO, A educação dos filhos. Editora Biblioteca Católica, 2020.


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