Nas palavras de Leão XIII em sua encíclica sobre a constituição cristã dos Estados em 1885: “Tempo houve em que a filosofia do Evangelho governava os Estados. Nessa época, a influência da sabedoria cristã e a sua virtude divina penetravam as leis, as instituições, os costumes dos povos, todas as categorias e todas as relações da sociedade civil. Então a Religião instituída por Jesus Cristo, solidamente estabelecida no grau de dignidade que lhe é devido, em toda parte era florescente. […] Organizada assim, a sociedade civil deu frutos superiores a toda expectativa, frutos cuja memória subsiste e subsistirá, consignada como está em inúmeros documentos que artifício algum dos adversários poderá corromper ou obscurecer”. Neste documento o papa fazia referência ao apogeu da Idade Média, época de realização de uma verdadeira sociedade cristã.
Nesta época, de fato, houveram muitos governantes que submetiam-se à autoridade da Igreja e guiavam-se pela lei divina submetendo também os seus reinos a estas mesmas leis. E que leis e preceitos podem ser superiores aos divinos? No decorrer da história, após o apogeu da cristandade, verificamos, infelizmente, o declínio do teocentrismo e a ascensão do humanismo com substituição das leis e preceitos baseados na lei divina pelas leis humanas. A que resultados chegamos?
Em meados do século XX a sociedade humana sofreu uma profunda intervenção com o advento da pílula anticoncepcional e o seu uso em larga escala. Com isso foi rechaçada de forma sólida e concreta a lei divina, o preceito da castidade, da fidelidade conjugal e da vida matrimonial. Os argumentos da época eram de que se tratava de um avanço cultural, social e tecnológico o que garantiria liberdade para as mulheres possibilitando igualá-las aos homens ao “livrá-las do fardo da maternidade”. Defendia-se que com isto o número de abortos iria diminuir, porque não seria mais necessário fazer abortos, entre outras promessas fantasiosas.
Ocorre que o uso de métodos contraceptivos não está em consonância com a dignidade humana e apesar de todo desenvolvimento tecnológico, eles sempre se mostraram falhos. A sua implementação aprofundou os problemas que já existiam, como de gestações não planejadas, provocação de abortos, transmissão de doenças, divórcio e desestruturação familiar com mães solteiras e aumento da carga de responsabilidade sobre as mulheres. Se antes o homem era tido como responsável ao engravidar uma mulher, após a popularização do uso dos contraceptivos a gravidez da mulher passou a ser vista como uma escolha dela, e a cobrança pela sociedade da responsabilidade dos homens em suprir a família diminuiu. Além disso, por não se casarem, o dinheiro que era utilizado para sustentar mulher e filhos passou a ficar apenas para o homem.
Pela falsa sensação de segurança, os casais passaram a ter relações unitivas em situações que antes não teriam, o que, com as falhas dos métodos contraceptivos, elevou a ocorrência de gestações não planejadas e consequentemente o número de abortos. Argumentava-se que pílula anticoncepcional e os outros contraceptivos seriam uma solução para os problemas sociais ao limitar o número de filhos nas famílias desestruturadas, mas quem primeiro e mais amplamente utilizou-se destes métodos foram as populações dos países ditos “mais desenvolvidos”, as quais teriam, supostamente, condições de formar famílias mais numerosas e estruturadas.
Alguns anos após a regulamentação da comercialização da pílula anticoncepcional em larga escala, a 25 de julho de 1968 a Igreja se pronunciou trazendo luz a esta situação através da promulgação da Encíclica “Humanae Vitae”. Nesta encíclica o papa São Paulo VI explicitou de forma clara e direta e imoralidade dos métodos contraceptivos e detalhou a inadequação de tais métodos para a humanidade, como um todo, enumerando de forma profética a situação em que nos encontramos hoje, e para o ser humano, em particular, apontando para a sua vocação não só “temporal e terrena, mas também espiritual e eterna”.
À época a palavra da Igreja através da Encíclica foi rechaçada por amplos setores da sociedade e a prática da contracepção prosseguiu forte até os dias atuais. Mas hoje a pílula anticoncepcional já se torna obsoleta com o esforço das políticas públicas para a implementação dos “LARCs”, sigla em inglês para Long-Acting Reversible Contraceptives, que significa Métodos Contraceptivos Reversíveis de Longa Duração. Esta estratégia consiste em utilizar métodos de maior duração possível como, aplicação de injeção de hormônio a cada três meses, colocação de implante de liberação hormonal que atua durante 3 anos, colocação de dispositivos uterinos que atuam por 5 a 10 anos; e utilizar estes dispositivos o quanto antes possível, logo que a mulher entre na idade de amadurecimento hormonal. Com isso considera-se um “benefício” a mulher ter parte significativa de sua idade reprodutiva em utilização destes dispositivos que são os mais efetivos para evitar que as gestações ocorram ou progridam.
No entanto, parece que alguns cientistas podem estar percebendo que esta estratégia está equivocada, ou se o tema não é propriamente uma novidade, ele continua sendo objeto de estudos. Em 20 de março deste ano foi publicada na revista científica inglesa “The Lancet”, periódico relevante para o meio científico, um artigo que avaliou a fertilidade global em 204 países no período de 1950-2021, ou seja, desde logo antes da implementação do uso da pílula anticoncepcional até próximo dos dias atuais, e fez uma estimativa do crescimento populacional até o ano de 2100.
O estudo analisou dados disponíveis referentes à taxa de fecundidade nos países para chegar a uma média global. A taxa de fecundidade é um índice demográfico que indica o número médio de filhos nascidos vivos por mulher ao longo do seu período reprodutivo. A taxa de fertilidade considerada aceitável em nível de reposição populacional é de 2,1 filhos por mulher ao longo da vida. Ou seja, quando a taxa de fecundidade de um país está abaixo de 2,1 significa que não está havendo nascimentos o suficiente para repor a população para as próximas gerações com risco de ser uma situação irreversível.
Foi verificado no estudo que durante o período de 1950 a 2021 a taxa de fecundidade global caiu mais da metade, de 4,84 para 2,23. Porém, em apenas 94 países (46,1%) a taxa permanecia acima de 2,1 em 2021. Destes 94 países, 44 estão na África Subsaariana. E as taxas de fertilidade futuras foram projetadas para continuar a diminuir em todo o mundo, atingindo uma taxa global de 1,83 em 2050 e 1,59 em 2100. Conclusão do estudo: “A fertilidade está diminuindo globalmente, com taxas em mais da metade de todos os países e territórios em 2021 abaixo do nível de reposição”.
Este é o legado das gerações que se gabam pelo avanço científico e tecnológico alcançado, algo inédito na história da humanidade à revelia de um dos preceitos divinos mais fundamentais, “crescei e multiplicai-vos”. Corremos o risco de deixar para as futuras gerações uma sociedade que não é capaz mais de se sustentar e que tende, por isso, a se dissolver pela imigração de outros povos, de outras culturas, a exemplo do já se tem verificado a largos passos nos países do ocidente europeu com o novo avanço do islamismo.
Já sabemos que a Igreja não vai acabar pois o próprio Cristo disse: “eu te digo que tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela”. No entanto, nos parece necessário reavivar algo do espírito dos cruzados, que viabilizaram para nós a sociedade cristã e tudo o que dela ainda desfrutamos atualmente.
Referência:
Global fertility in 204 countries and territories, 1950–2021, with forecasts to 2100: a comprehensive demographic analysis for the Global Burden of Disease Study 2021 Bhattacharjee, Natalia V et al. The Lancet, Volume 403, Issue 10440, 2057 – 2099.
Respostas de 5
Maravilhoso. Uma chuva de Verdade e Lucidez.
Sensacional!!! A Verdade que muitos não querem ver, mas que se faz necessário colocar luz.
“E que leis e preceitos podem ser superiores aos divinos?”
Excelente artigo! Quando se tira Deus da história, das leis, dos costumes o fracasso é certo.
“A arrogância precede a ruína, e o espírito altivo, a queda” Pr 16,18.
Parabéns pelo artigo.
Infelizmente é o demônio agindo.
Parabéns, um ótimo artigo! As colocações sobre o assunto, foram de extrema importância e com clareza, para entendermos a realidade da situação.